CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO
Eleição é uma doutrina fundamental. No passado, muitos dos talentosos professores estavam acostumados a começarem sua teologia sistemática com a apresentação dos atributos de Deus, e então uma contemplação de Seus decretos eternos; e é nossa convicção cuidadosamente analisada, depois de ler atentamente os escritos de muitos de nossos teólogos modernos, que o método seguido pelos seus antecessores não pode ser aprimorado. Deus existe antes do homem, e Seu propósito eterno antedata Suas obras no tempo. “ Conhecidas de Deus são todas as Suas obras desde o princípio do mundo” (Atos 15:18). Os divinos conselhos existiram antes da criação. Como um construtor desenha seus planos antes de começar a construir, assim o grande Arquiteto predestinou tudo antes de uma simples criatura ser chamada à existência. Nem Deus guardou este mistério oculto em Seu próprio seio; foi do Seu agrado fazer conhecido em Sua Palavra os eternos conselhos de Sua graça, Seu desígnio nos mesmos e o grande fim que Ele teve em vista.
Quando um construtor está no percurso da construção, os expectadores freqüentemente demoram perceber a razão de tantos detalhes. Por enquanto, eles não discernem nenhuma ordem ou propósito; tudo parece estar em confusão. Mas se eles pudessem cuidadosamente examinar o “plano” do construtor e visualizar a produção acabada, muito do que estivesse confuso se tornaria claro para eles. É da mesma forma com a aparência externa do propósito eterno de Deus. A menos que estejamos inteirados com Seus decretos eternos, a história permanecerá um enigma insolúvel. Deus não está trabalhando aleatoriamente; o evangelho não foi enviado para uma missão incerta: a conseqüência final do conflito entre o bem e o mal não foi deixada indeterminada; quantos são salvos ou perdidos não depende da vontade da criatura. Tudo foi infalivelmente determinado e imutavelmente fixado por Deus desde o princípio, e tudo que acontece no tempo é apenas a consumação do que foi ordenado na eternidade.
A grande verdade da eleição, então, leva-nos de volta ao princípio de todas as coisas. Ela antedata a entrada do pecado no universo, a queda do homem, o advento de Cristo e a proclamação do evangelho. Um entendimento correto dela, especialmente em sua relação com o concerto eterno, é absolutamente essencial se quisermos ser preservados de um erro fundamental. Se a própria fundação é defeituosa, então a construção erigida sobre ela não será sã; e se errarmos em nossos conceitos desta verdade básica então, exatamente na proporção em que fizermos isso, seremos inexatos no entendimento de todas as outras verdades. O relacionamento de Deus com os judeus e os gentios, Seu objetivo ao enviar Seu Filho a este mundo, Seu desígnio pelo evangelho, sim, o conjunto total de Seus relacionamentos providenciais, não poderão ser vistos em sua perspectiva adequada até que eles sejam visto na luz de Sua eleição eterna. Isto se tornará mais evidente a medida que prosseguirmos.
Ela á uma doutrina difícil, e isto em três aspectos. Primeiro: no entendimento dela. A menos que sejamos privilegiados de sentar sob o ministério de um servo de Deus ensinado pelo Espírito, que nos apresente a verdade sistematicamente, grande esforços e diligência serão exigidos na examinação das Escrituras, de forma que possamos coletar e juntar suas declarações espalhadas sobre este assunto. Não foi do agrado do Espírito Santo dar-nos uma completa e ordenada exposição da doutrina da eleição, porém “um pouco aqui, um pouco ali” - na história típica, nos salmos e profecias, na grande oração de Cristo (João 17), nas epístolas dos apóstolos. Segundo: na aceitação dela. Esta apresenta uma dificuldade ainda maior, porque quando a mente percebe o que a Escritura revela sobre isto, o coração é avesso à receber uma verdade como esta, tão humilhante e enfraquecedora da carne. Quão ardentemente necessitamos orar para que Deus subjugue nossa inimizade contra Ele e nosso preconceito contra Sua verdade. Terceiro: na proclamação dela. Nenhum iniciante é competente para apresentar este assunto em suas perspectivas e proporções escriturísticas.
Mas apesar disto, estas dificuldades não nos desencoraja, e muito menos nos detém, de um honesto e sério esforço para entender e de todo coração receber tudo que Deus se agradou de revelar sobre isto. As dificuldades são designadas para nos humilhar, para nos exercitar, para nos fazer sentir nossa necessidade da sabedoria do alto. Não é fácil chegar a um claro e adequado entendimento de qualquer uma das grandes doutrinas das Santas Escrituras; e Deus nunca intentou que assim fosse. A verdade deve ser “comprada” (Provérbios 23:23): ah! tão poucos estão dispostos a pagar o preço - dedicar-se a um devoto estudo da Palavra o tempo gasto com jornais ou recreações fúteis. Essas dificuldades não são insuperáveis, porque o Espírito, dado ao povo de Deus, guia-os em toda verdade. Igualmente assim para o ministro da Palavra: em humilde espera por Deus, unida a um diligente esforço para ser um obreiro que não tenha de que se envergonhar, irá no devido tempo expor esta verdade para a glória de Deus e a benção de seus ouvintes.
Esta é uma doutrina importante, como é evidente a partir de várias considerações. Talvez possamos expressar mais impressionamente a monumentabilidade desta verdade mostrando que aparte da eleição eterna não teria existido nenhum Jesus Cristo e, portanto, nenhum divino evangelho; porque se Deus nunca tivesse escolhido um povo para salvação, Ele nunca teria enviado Seu Filho; e Se Ele não tivesse enviado nenhum Salvador, ninguém teria sido salvo. Portanto, o próprio evangelho se originou nesta questão vital da eleição. “Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação” (2 Tessalonicenses 2:13). E por que “devemos sempre dar graças”? Porque eleição é a origem de todas as bênçãos, a fonte de cada misericórdia que a alma recebe. Se a eleição for tirada, tudo será tirado, porque aqueles que têm qualquer benção espiritual são aqueles que têm todas as bênçãos espirituais: “ O qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo” (Efésios 1:3,4).
Como Calvino corretamente disse: “Nós nunca estaremos tão claramente convencidos como deveríamos, de que a nossa salvação provém da fonte da gratuita misericórdia de Deus, até que estejamos familiarizados com esta eleição eterna, que ilustra a graça de Deus por esta comparação, que Ele não adota todos indiscriminadamente para a esperança de salvação, mas a alguns dá o que recusa a outros. Ignorância deste princípio evidentemente desvia da glória divina, e diminui a real humildade. Se então, necessitamos ser recordados da origem da eleição para provar que obtemos a salvação de nenhuma outra origem do que a mera boa vontade de Deus então, aqueles que desejam extinguir este princípio, fazem tudo que eles podem para obscurecer o que eles deveriam magnificar e em alta voz celebrar”.
Esta é uma bendita doutrina, porque a eleição é a fonte de todas as bênçãos. Isto é feito inequivocadamente claro através de Efésios 1:3,4. Primeiro, o Espírito Santo declara que os santos tem sido abençoados com todas as bençãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo. Então, Ele prossegue a nos mostrar o porquê e como eles foram tão abençoados: é porque Deus nos elegeu em Cristo antes da fundação do mundo. A eleição em Cristo, portanto, precede ser abençoado com todas as bençãos espirituais, porque nós somos abençoados com elas somente estando nEle, e somente estamos nEle sendo escolhidos nEle. Vemos então quão grande e gloriosa esta doutrina é, porque todas nossas esperanças e prospectos pertencem a ela. Eleição, apesar de distinta e pessoal, não é, como algumas vezes descuidadamente declarado, uma mera escolha abstrata de pessoas para a salvação eterna, independente da união com o seu Representante do Concerto; mas uma escolha deles em Cristo. Ela, portanto, implica todas as outras bençãos, e todas as outras bençãos são dadas somente através dela e de acordo com ela.
Corretamente entendida não há nada semelhante para transmitir conforto e coragem, força e segurança, como uma apreensão do coração desta verdade. Ser assegurado de que sou um dos altamente favorecidos do Céu transmite a confidência de que Deus mui certamente irá suprir cada uma das minhas necessidades e fazer todas as coisas cooperarem juntamente para o meu bem. O conhecimento de que Deus me predestinou para a glória eterna fornece uma absoluta garantia de que nenhum esforço de Satanás poderá trazer sobre mim destruição, porque se o grande Deus é por mim, quem será contra mim? Isto traz paz para o pregador, porque ele agora descobre que Deus não o enviou para puxar o arco arriscadamente, mas que Sua Palavra realizará o que Lhe apraz, e prosperará naquilo para que Ele a enviou (Isaías 55:11). E que encorajamento isto dá ao pecador despertado. A medida que ele aprende que a eleição é somente uma questão da divina graça, a esperança é incendiada em seu coração; a medida que ele descobre que a eleição escolhe alguns dos maiores dos pecadores para serem monumentos da divina misericórdia, porque deveria ele se desesperar?
Esta é uma doutrina detestada. Alguém naturalmente pensaria que uma verdade que honra tanto a Deus, que exalta tanto a Cristo, e tão abençoada, tenha sido cordialmente sustentada por todos cristãos professantes que tenham tido ela claramente apresentada diante deles. Devido aos termos “predestinados”, “eleitos”, e “escolhidos”, ocorrem tão freqüentemente na Palavra, alguém certamente concluirá que todos que reivindicam aceitar as Escrituras como divinamente inspiradas receberiam com implícita fé esta grande verdade, referindo ao ato por si mesmo - como tornando pecadores e ignorantes as criaturas que assim façam - diante da soberana boa vontade de Deus. Mas tal está longe, muito longe de ser a situação real. Nenhuma doutrina é tão detestada pelo orgulhoso homem natural como esta, que faz da criatura nada e do Criador tudo; sim, em nenhum outro ponto a inimizade da mente carnal é tão patente e vigorosamente evidente.
Nós começamos nossas palestras na Austrália dizendo: “Eu vou falar esta noite sobre uma das doutrinas mais odiadas da Bíblia, a saber, a da soberana eleição de Deus”. Desde então temos rodeado este globo, e chegado à um contato próximo com milhares de pessoas pertencentes a muitas denominações, e milhares destes cristãos professos não aceitaram esta declaração; e hoje a única mudança que fazemos naquela declaração é que enquanto a verdade do castigo eterno é uma das mais desagradáveis aos não professos, a da soberana eleição de Deus é a verdade mais odiada e insultada pela maioria daqueles que reivindicam ser crentes. Anuncie claramente que a salvação não é originada na vontade do homem, mas na vontade de Deus (veja João 1:13; Romanos 9:16), que não há ninguém que queira ou possa ser salvo - porque como resultado da queda do homem, todo desejo e vontade para o que é bom foi perdido (João 5:40; Romanos 3:11) - e que até mesmo os eleitos precisam serem feitos dispostos (Salmos 110:3), e estrondosos gritos de indignação se levantarão contra tal ensino.
Neste ponto a questão é tensa. Comerciantes de méritos não permitirão a supremacia da divina vontade e a impotência para o bem da vontade humana, conseqüentemente eles são aqueles mais amargos em denunciar a eleição pelo soberano prazer de Deus, são os mais entusiasmados em gritar pelo livre-arbítrio do homem caído. Nos decretos do concílio de Trento - no qual o Papado definitivamente determinou sua posição sobre os pontos levantados pelos Reformados, e que Roma nunca rescindiu - aparece o seguinte: “Se qualquer um afirmar que desde a queda de Adão, a vontade do homem foi eliminada, que seja amaldiçoado”. Foi devido a sua fiel aderência à verdade da eleição, com tudo o que ela envolve, que Bradford e centenas de outros foram queimados pelos agentes do Papa. Indizivelmente triste é ver tantos Protestantes professos concordarem com a mãe das meretrizes neste erro fundamental.
Mas seja qual for a aversão que os homens possam agora ter à esta bendita doutrina, eles serão compelidos a ouvi-la no último dia, ouvi-la como a voz da final, inalterável e eterna decisão. Quando a morte e o inferno, o mar e a terra, derem os mortos, então o Livro da Vida - o registro no qual foram gravados antes da fundação do mundo toda a eleição da graça - será aberto na presença de anjos e demônios, na presença de salvos e perdidos, e esta voz soará às alturas do Céu, às profundezas do inferno e aos extremos finais do universo - “E todo aquele que não foi achado inscrito no livro da vida, foi lançado no lago de fogo” (Apocalipse 20:15). Assim, esta verdade que é odiada pelos não eleitos acima de todos os outros, é uma que soará nos ouvidos dos perdidos a medida que eles entrarem na sua eterna perdição! Ah, meu leitor, a razão pela qual o povo não recebe e devidamente prezam pela verdade da eleição, é porque eles não sentem a devida necessidade dela.
Esta é uma doutrina que separa. A pregação da soberania de Deus, como exercitada por Ele na pré-ordenação do destino eterno de cada uma de Suas criaturas, serve como um instrumento eficaz para dividir o joio do trigo. “Quem é de Deus ouve a palavra de Deus” (João 8:47): sim, não importa quão contrárias elas possam ser às suas idéias. É uma das marcas do regenerado que eles declaram que Deus é verdadeiro. Nem são exigentes na sua escolha, como são os religiosos hipócritas: uma vez que percebem que a verdade é claramente ensinada na Palavra, mesmo que esta seja absolutamente oposta à sua própria razão e inclinações, eles humildemente saúdam-na e implicitamente a recebem, e assim faria apesar de nenhuma outra pessoa no mundo crer nela. Mas isto é totalmente diferente com os não regenerados. Como o apóstolo declara: “Do mundo são, por isso falam do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro” (1 João 4:5,6).
Não conhecemos nada tão divisor entre a ovelha e os bodes do que uma exposição fiel desta doutrina. Se um servo de Deus aceita alguma nova carga, e ele deseja que seu povo deseje o puro leite da Palavra, e que prefira os substitutos do Diabo, deixe-o entregar uma série de sermões sobre este assunto, e será rapidamente os meios de “apartares o precioso do vil” (Jeremias 15:19).
Foi assim na experiência do Divino Pregador: quando Cristo anunciou que “ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido”, somos informados que, “desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele” (João 6:65,66)! Verdade é que de forma alguma todos que intelectualmente recebem o “Calvinismo” como uma filosofia ou teologia, dão evidência (em suas vidas diárias) de regeneração; todavia, é igualmente verdade que aqueles que continuam a criticar contra e firmemente refutar alguma parte da verdade, não merecem serem chamados de cristãos.
Esta é uma doutrina negligenciada. Apesar de ocupar um lugar tão proeminente na Palavra de Deus, ela é pregada mui pouco hoje, e ainda menos entendida. Certamente, não é esperado que os “altos críticos” e seus incautos cegos preguem o que faz do homem nada; mas até entre aqueles que desejam serem vistos como “ortodoxos” e “evangélicos”, quase não há alguém que dê à esta grande verdade um real lugar, seja nas ministrações do seu púlpito ou nos seus escritos. Em alguns casos isto é devido à ignorância: não tendo sido ensinado no seminário, e certamente nem nos “Institutos Bíblicos”, eles nunca perceberão sua grande importância e valor. Mas, em muitos casos é o desejo de ser popular para com seus ouvintes que amordaça suas bocas. Todavia, nem ignorância, preconceito, nem inimizade podem abolir a doutrina em si mesma ou diminuir suas importâncias vitais.
Ao terminar estas considerações introdutórias, permita-me assinalar que esta bendita doutrina deve ser manuseada reverentemente. Este não é um assunto para ser justificado ou especulado, mas aproximado em um espírito de santo temor e devoção. Ele deve ser manuseado sobriamente: “Quando estiver em discussão, engajado em uma justa disputa para vindicar a verdade de Deus das heresias e distorções, investigue o teu coração, coloque um vigia nos seus lábios, acautele-se do fogo selvagem em teu zelo” (E. Reynolds, 1648). Todavia, esta verdade é para ser tratada com firmeza, e clareza, independente do temor ou favor de homem, confiantemente deixando todos “resultados” na mão de Deus. Possa nos ser graciosamente concedido escrever de uma maneira que agrade a Deus, e a você o receber o que quer que seja dEle.
CAPÍTULO 2: SUA FONTE
Acuradamente falando, eleição é um ramo da predestinação, o último sendo um termo mais abrangente do que o primeiro. Predestinação se relaciona com todas as criaturas, coisas e eventos; mas eleição é restrita aos seres racionais - anjos e humanos. Como a palavra predestinar significa, Deus desde toda a eternidade soberanamente ordenou e imutavelmente determinou a história e destino de cada uma e todas Suas criaturas. Porém, neste estudo nos confinaremos à predestinação como esta se relaciona ou concerne às criaturas racionais. E aqui também mais uma distinção deve ser observada. Não pode haver uma eleição sem uma rejeição, um tomar sem um passar por, uma escolha sem uma recusa. Como o Salmos 78 expressa-o: “Ele recusou o tabernáculo de José, e não elegeu a tribo de Efraim. Antes elegeu a tribo de Judá” (versos 67,68). Dessa forma, a predestinação inclui tanto a reprovação (a preterição ou o passar pelos não-eleitos, e então a pré-ordenação deles para a condenação - Judas 4 - por causa dos seus pecados) como a eleição para a vida eterna; sobre o primeiro não discutiremos agora.
A doutrina da eleição significa, então, que Deus selecionou alguns em Sua mente tanto dentre os anjos (1 Timóteo 6:21) como dentre os homens, e ordenou-lhes para a bem-aventurança e para a vida eterna; que antes dEle lhes criar, Ele decidiu o destino delas, como um construtor desenha seus planos e determina cada parte da construção antes de qualquer um dos materiais serem reunidos para levarem a cabo a execução de seu desígnio. Eleição pode ser definida dessa forma: ela é aquela parte do conselho de Deus através do qual Ele desde toda a eternidade Se propôs a revelar Sua graça sobre algumas de Suas criaturas. Esta foi feita eficaz por um decreto definido concernente a ela. Ora, em cada decreto de Deus três coisas devem ser consideradas: o princípio, o assunto ou conteúdo, o fim ou desígnio. Ofereçamos pois unas poucas considerações sobre cada uma delas.
O princípio do decreto é a vontade de Deus. Ele origina-se somente em Sua própria soberana determinação. Determinando o estado de Suas criaturas, a própria vontade de Deus é a única e absoluta causa do Seu decreto. Assim como não há nada acima de Deus para governá-LO, assim não há nada fora dEle próprio que possa ser em qualquer sentido uma causa impulsiva para Ele; dizer de outra forma é fazer da vontade de Deus uma vontade inexistente. Nisto Ele é infinitamente exaltado acima de nós, porque não somente somos sujeitos Àquele que é sobre nós, mas nossas vontades estão sendo constantemente movidas e dispostas por causas externas. A vontade de Deus não tem nenhuma causa fora de Si mesmo, ou de outra forma deveria haver algo anterior a Si mesmo (porque a causa sempre precede o efeito) e algo mais excelente (porque a causa é sempre superior ao efeito), e portanto Deus não seria o Ser independente que Ele é.
O assunto ou conteúdo de um divino decreto é o propósito de Deus para manifestar um ou mais de Seus atributos e perfeições. Isto é verdade de todos os divinos decretos, mas assim como há variedade nos atributos de Deus assim também há nas coisas que Ele decretou trazer à existência. Os dois principais atributos que Ele exerce sobre as criaturas racionais são Sua graça e Sua justiça. No caso do eleito, Deus determinou demonstrar as riquezas de Sua maravilhosa graça, mas no caso do não-eleito Ele achou certo demonstrar Sua justiça e severidade - retendo Sua graça deles porque foi do beneplácito de Sua vontade assim fazer. Todavia, não deve ser permitido por um momento que este último seja um sinal de crueldade em Deus, porque Sua natureza não é somente graça, nem somente justiça, mas ambas juntas, e portanto ao determinar exibir ambas delas não pode ser um sinal de injustiça.
O fim ou desígnio de cada divino atributo é a própria glória de Deus, porque nada menos do que isso pode ser digno dEle. Assim como Deus jura por Si mesmo porque Ele não pode jurar por nada maior, assim porque um grande e majestoso fim não pôde ser proposto do que Sua própria glória, Deus determinou o supremo fim de todos Seus decretos e obras - “O Senhor fez tudo para Si mesmo” (Provérbios 16:4 - versão do autor) - para Sua própria glória. Assim, como todas coisas são dEle como causa primária portanto, todas coisas são para Ele (Romanos 11:36) como fim supremo. O bem de Suas criaturas é apenas o fim secundário; Sua própria glória é o fim supremo, e tudo além é subordinado a isto. No caso do eleito é a graça de Deus que será magnificada; no caso do réprobo Sua pura justiça será glorificada. O que se seguirá neste capítulo será largamente uma ampliação destes três pontos.
A origem da eleição, então, é a vontade de Deus. Quase não é necessário assinalar que por “Deus” queremos dizer, Pai, Filho, e Espírito Santo. Embora haja três pessoas na Divindade, há apenas uma natureza indivisível e comum à todos Eles, e portanto apenas uma vontade. Eles são um, e Eles estão em um acordo: “Mas se Ele resolveu alguma coisa, quem então o desviará?” (Jó 23:13). Permita-nos assinalar que a vontade de Deus não é uma coisa aparte de Deus, nem é para ser considerada como sendo uma parte de Deus: a vontade de Deus é o próprio Deus querendo: ela é, se podemos assim falar, Sua própria natureza em atividade, porque Sua vontade é Sua própria essência. Nem é a vontade de Deus sujeita a qualquer vacilação ou mudança: quando afirmamos que a vontade de Deus é imutável, estamos somente dizendo que o próprio Deus é “sem mudança ou sombra de variação” (Tiago 1:17). Portanto, a vontade de Deus é eterna, visto que o próprio Deus não tem princípio, e visto que Sua vontade é Sua própria natureza, então Sua natureza deve ser desde a eternidade.
Para prosseguir um passo mais adiante. A vontade de Deus é absolutamente livre, não influenciada e não controlada por nada fora dela mesma. Isto se demonstra desde a criação do mundo - bem como de tudo nele. O mundo não é eterno, mas foi feito por Deus, todavia se deveria ou não ser criado, foi determinado por Ele somente. O tempo quando ele foi feito - se mais cedo ou mais tarde; o tamanho dele - se pequeno ou grande; a duração dele - se para uma estação ou para sempre; a condição dele - se deveria permanecer “muito bom” ou ser poluído pelo pecado; foi tudo resolvido pelo soberano decreto do Altíssimo. Tivesse Ele se agradado, Deus poderia ter trazido este mundo a existência há milhões de anos antes. Tivesse Ele se agradado, Ele poderia ter feito isto e todas as coisas num momento de tempo, em vez de seis dias e seis noites. Tivesse Ele se agradado, Ele poderia ter limitado a família humana a unas poucas centenas ou milhares, ou tê-la feita milhares de vezes maior do que ela é. Nenhuma razão pode ser designada porque Deus criou o mundo, quando e como do que Sua própria vontade imperativa.
A vontade de Deus foi absolutamente livre em relação à eleição. Ao escolher um povo para a vida eterna, não havia nada fora dEle mesmo que moveu Deus para formar tal propósito. Como Ele expressamente declara: “Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia” (Romanos 9:15) - linguagem que não pode declarar mais definitivamente a absoluta soberania divina neste assunto. “Tendo nos predestinado para a adoção de filhos por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1:5): aqui tudo novamente é resolvido no mero prazer de Deus. Ele concede Seus favores ou retém-os como Lhe agradar. Nem Ele precisa de qualquer vindicação nossa de Seu procedimento. O Altíssimo não é para ser trazido para o tribunal da razão humana: em vez de procurar justificar a alta soberania de Deus, nos é requerido somente crer nela, na autoridade de Sua própria Palavra. “Naquele tempo falou Jesus, dizendo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mateus 11:25,26) - o Senhor Jesus estava contente em descansar na soberania de Deus, e assim devemos estar.
Alguns dos mais hábeis expositores desta profunda verdade têm afirmado que o amor de Deus é a causa movedora de nossa eleição, citando: “Em amor nos predestinou” (Efésios 1:5); todavia ao fazer assim, pensamos que seremos acusados de uma leve imperfeição ou desvio da nossa regra de fé. Embora completamente concordando que as duas últimas palavras de Efésios 1:4 (como estão na Versão Autorizada) pertence propriamente ao início do versículo 5, todavia deve ser cuidadosamente notado que o verso 5 não está falando de nossa eleição original, mas de nosso ser predestinados para a adoção de filhos: as duas coisas são totalmente distintas, atos separados da parte de Deus, o segundo seguindo o primeiro. Há uma ordem nos divinos conselhos, como há nas obras da criação de Deus, e é tão importante prestar atenção no que é dito sobre o primeiro como se preocupar com o divino procedimento nos seis dias de trabalho de Gênesis 1.
Um objeto deve existir ou subsistir antes dele poder ser amado. A eleição foi o primeiro ato na mente de Deus, segundo o qual Ele escolheu as pessoas dos eleitos para serem santos e irrepreensíveis (v. 4). A predestinação foi o segundo ato de Deus, segundo o qual Ele ratificou pelo decreto o estado daqueles a quem Sua eleição foi dada uma real permanência diante dEle. Tendo escolhido-os em Seu amado Filho para a perfeição da santidade e justiça, o amor de Deus foi adiante deles, e concedeu-lhes a mais alta e preciosa benção que Seu amor jamais poderia oferecer: fazer deles Seus filhos pela adoção. Deus é amor, e todo Seu amor é exercido sobre Cristo e sobre aqueles que estão nEle. Tendo feito dos eleitos Sua propriedade pela soberana escolha de Sua vontade, o coração de Deus foi então colocado sobre eles como sendo Seu tesouro especial.
Outros têm atribuído nossa eleição à graça de Deus, citando “Há um remanescente segundo a eleição da graça” (Romanos 11:5). Mas aqui novamente devemos distinguir entre coisas que diferem, a saber, entre o início de um divino decreto e seu assunto ou conteúdo. É verdade, uma bendita verdade, que os eleitos são os objetos sobre os quais a graça de Deus é especialmente exercida, mas é outra coisa totalmente diferente dizer que sua eleição se originou na graça de Deus. A ordem sobre a qual estamos insistindo é claramente expressa em Efésios 1. Primeiro, “ Ele [Deus] nos elegeu nele [Cristo] antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis [justos] diante dele” (v. 4): que foi o ato inicial na divina mente. Segundo, “em amor, tendo nos predestinado para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo” e isto “segundo o beneplácito de sua vontade” (v. 5) : que foi o enriquecimento daqueles sobre quem Ele havia colocado Seu coração. Terceiro, “para o louvor da glória da sua graça, pela qual nos fez aceitos no Amado” (v. 6): que tanto o assunto como o propósito do decreto de Deus - a manifestação e magnificação de Sua graça.
“A eleição da graça” (Romanos 11:5), então, não é para ser entendida como o genitivo de origem, mas de objeto ou caráter, como em “a Rosa de Sarom”, “a árvore da vida”, “os filhos da obediência”. A eleição da igreja, bem como de todos Seus atos e obras, devem ser seguidas retroativamente até a incontrolada e incontrolável vontade de Deus. Em nenhuma outra parte nas Escrituras é a ordem dos divinos conselhos tão definitivamente revelada como em Efésios 1, e em nenhuma outra parte a ênfase é colocada tão fortemente sobre a vontade de Deus. Ele nos predestinou para a adoção de filhos “segundo o beneplácito de sua vontade ” (v. 5). Ele nos fez conhecido “o mistério de sua vontade” (não “graça”) e que “segundo o beneplácito de sua vontade , que propusera em si mesmo” (v. 9). E então, como se não estivesse suficientemente explícito, o parágrafo termina com “havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade, com o fim de sermos para o louvor da sua glória” (vv. 11,12).
Permaneçamos por mais um momento em cima dessa extraordinária expressão: “que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade, com o fim de sermos para o louvor da sua glória ” (v. 11). Note bem, não é “o conselho de seu coração”, nem mesmo “o conselho de sua mente”, mas VONTADE: não “a vontade de seu conselho”, mas “ o conselho de sua vontade”. Nisto Deus difere radicalmente de nós. Nossas vontades são influenciadas pelos pensamentos de nossas mentes e movidas pelas afeições de nossos corações; mas não é assim com Deus. “Segundo a sua vontade Ele opera no exército do céu e entre os moradores da terra” (Daniel 4:35). A vontade de Deus é suprema, determinando o exercício de Suas perfeições. Ele é infinito em sabedoria, todavia Sua vontade regula as operações dela. Ele é cheio de misericórdia, mas Sua vontade determina quando e a quem Ele a mostrará. Ele é inflexivelmente justo, todavia Sua vontade decide se ou não a justiça será exercida: observe cuidadosamente, não é “Que não pode de maneira alguma ter por inocente o culpado” mas “Que não quer de maneira alguma ter por inocente o culpado” (Êxodo 34:7). Deus primeiramente quer ou determina que uma coisa aconteça, e então Sua sabedoria planeja a execução dela.
Assinalemos agora tudo o que tem sido refutado. De tudo que tem sido dito acima é claro, em primeiro lugar, que nossas boas obras não foram o que induziu Deus a nos eleger, porque este ato aconteceu na divina mente na eternidade - muito antes de qualquer criatura existir realmente. Veja como este mesmo ponto [a salvação pelas obras] é posto de lado em, “pois não tendo os gêmeos ainda nascido, nem tendo praticado bem ou mal, para que o propósito de Deus segundo a eleição permanecesse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama” (Romanos 9:11). Novamente lemos: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas”. Então, visto que fomos eleitos antes de nossa criação, nossas boas obras não podem ser a causa movedora dela: não, elas são os frutos e efeitos dela.
Segundo, a santidade dos homens, seja em princípio ou prática, ou ambos, não é a causa movedora da eleição, porque como Efésios 1:4 tão claramente declara “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” - não porque éramos santos, mas para que pudéssemos ser. O “para sermos santos” era algo futuro, que seguiria a salvação, e é o meio para um fim mais adiante, a saber, nossa salvação, para a qual alguns homens são escolhidos. “Deus vos escolheu desde o princípio para a santificação do Espírito” (2 Tessalonicenses 2:13). Então, visto que a santificação do povo de Deus era o desígnio de Sua eleição, ela não poderia ser a causa da eleição. “Esta é a vontade de Deus, a saber, a vossa santificação” (1 Tessalonicenses 4:3): não meramente a vontade aprovadora de Deus, como sendo agradável à Sua natureza; não meramente a vontade preceptiva de Deus, como requerida pela Lei; mas Sua vontade decretiva, Seu conselho determinado.
Terceiro, nem é a fé a causa de nossa eleição. Como poderia ser? Durante o seu estado de não-regeneração todos os homens estão em um estado de incredulidade, vivendo neste mundo sem Deus e sem esperança. E quando tivemos fé, ela não de nós mesmos - seja pela nossa bondade, poder ou vontade. Não; ela é um dom de Deus (Efésios 2:9), e uma operação do Espírito (Colossenses 2:12), vinda de Sua graça. “E creram todos quantos haviam sido ordenados para a vida eterna” (Atos 13:48), e não “todos quantos creram, foram ordenados para a vida eterna”. Portanto, visto que a fé flui da divina graça, ela não pode ser a causa de nossa eleição. A razão pela qual outros homens não crêem, é porque eles não são das ovelhas de Cristo (João 10:26); a razão pela qual alguns crêem é porque Deus lhes deu fé, e conseqüentemente ela é chamada “a fé dos eleitos de Deus” (Tito 1:1).
Quarto, não foi a pré-visão de Deus destas coisas no homem que O moveu para escolhe-los. A presciência de Deus do futuro é fundado na determinação de Sua vontade concernente a este mesmo futuro. O divino decreto, a divina presciência e a divina predestinação é a ordem apresentada nas Escrituras. Primeiro, “que são chamados segundo o seu propósito”; segundo, “porque os que dantes conheceu”; terceiro, “também os predestinou” (Romanos 8:28,29). O decreto de Deus como precedente a Sua presciência é também declarado em, “a este, que foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23). Deus pré-conheceu tudo que seria, porque Ele ordenou tudo que deveria ser; portanto, é colocar o carro antes do cavalo quando fazemos da presciência a causa da eleição de Deus.
Para concluir, permita-nos dizer que o fim de Deus em Seu decreto de eleição é a manifestação de Sua própria glória, mas antes de entrar em detalhe sobre este ponto, queremos citar várias passagens que declaram o próprio fato amplamente. “Sabei que o Senhor separou para si aquele que é piedoso” (Salmos 4:3). “Separou ” aqui significa escolher ou arrancar do resto; “aquele que é piedoso” refere-se ao próprio Davi (Salmos 89:19,20); “para si”, e não meramente para o trono ou reino de Israel. “Porque o Senhor escolheu para si a Jacó, e a Israel para seu tesouro peculiar” (Salmos 135:4). “Para dar de beber ao meu povo, ao meu escolhido, esse povo que formei para mim, para que publicasse o meu louvor” (Isaías 43:20,21), que é paralelo à Efésios 1:5,6. Da mesma forma no Novo Testamento: quando agradou a Cristo dar à Ananias uma explicação da conversão de Seu amado Paulo, Ele disse, “este é para mim um vaso escolhido” (Atos 9:15). Novamente, “reservei para mim sete mil varões que não dobraram os joelhos diante de Baal” (Romanos 11:4 ASV), que é explicado no próximo versículo como “um remanescente segundo a eleição da graça”.
Quando um construtor está no percurso da construção, os expectadores freqüentemente demoram perceber a razão de tantos detalhes. Por enquanto, eles não discernem nenhuma ordem ou propósito; tudo parece estar em confusão. Mas se eles pudessem cuidadosamente examinar o “plano” do construtor e visualizar a produção acabada, muito do que estivesse confuso se tornaria claro para eles. É da mesma forma com a aparência externa do propósito eterno de Deus. A menos que estejamos inteirados com Seus decretos eternos, a história permanecerá um enigma insolúvel. Deus não está trabalhando aleatoriamente; o evangelho não foi enviado para uma missão incerta: a conseqüência final do conflito entre o bem e o mal não foi deixada indeterminada; quantos são salvos ou perdidos não depende da vontade da criatura. Tudo foi infalivelmente determinado e imutavelmente fixado por Deus desde o princípio, e tudo que acontece no tempo é apenas a consumação do que foi ordenado na eternidade.
A grande verdade da eleição, então, leva-nos de volta ao princípio de todas as coisas. Ela antedata a entrada do pecado no universo, a queda do homem, o advento de Cristo e a proclamação do evangelho. Um entendimento correto dela, especialmente em sua relação com o concerto eterno, é absolutamente essencial se quisermos ser preservados de um erro fundamental. Se a própria fundação é defeituosa, então a construção erigida sobre ela não será sã; e se errarmos em nossos conceitos desta verdade básica então, exatamente na proporção em que fizermos isso, seremos inexatos no entendimento de todas as outras verdades. O relacionamento de Deus com os judeus e os gentios, Seu objetivo ao enviar Seu Filho a este mundo, Seu desígnio pelo evangelho, sim, o conjunto total de Seus relacionamentos providenciais, não poderão ser vistos em sua perspectiva adequada até que eles sejam visto na luz de Sua eleição eterna. Isto se tornará mais evidente a medida que prosseguirmos.
Ela á uma doutrina difícil, e isto em três aspectos. Primeiro: no entendimento dela. A menos que sejamos privilegiados de sentar sob o ministério de um servo de Deus ensinado pelo Espírito, que nos apresente a verdade sistematicamente, grande esforços e diligência serão exigidos na examinação das Escrituras, de forma que possamos coletar e juntar suas declarações espalhadas sobre este assunto. Não foi do agrado do Espírito Santo dar-nos uma completa e ordenada exposição da doutrina da eleição, porém “um pouco aqui, um pouco ali” - na história típica, nos salmos e profecias, na grande oração de Cristo (João 17), nas epístolas dos apóstolos. Segundo: na aceitação dela. Esta apresenta uma dificuldade ainda maior, porque quando a mente percebe o que a Escritura revela sobre isto, o coração é avesso à receber uma verdade como esta, tão humilhante e enfraquecedora da carne. Quão ardentemente necessitamos orar para que Deus subjugue nossa inimizade contra Ele e nosso preconceito contra Sua verdade. Terceiro: na proclamação dela. Nenhum iniciante é competente para apresentar este assunto em suas perspectivas e proporções escriturísticas.
Mas apesar disto, estas dificuldades não nos desencoraja, e muito menos nos detém, de um honesto e sério esforço para entender e de todo coração receber tudo que Deus se agradou de revelar sobre isto. As dificuldades são designadas para nos humilhar, para nos exercitar, para nos fazer sentir nossa necessidade da sabedoria do alto. Não é fácil chegar a um claro e adequado entendimento de qualquer uma das grandes doutrinas das Santas Escrituras; e Deus nunca intentou que assim fosse. A verdade deve ser “comprada” (Provérbios 23:23): ah! tão poucos estão dispostos a pagar o preço - dedicar-se a um devoto estudo da Palavra o tempo gasto com jornais ou recreações fúteis. Essas dificuldades não são insuperáveis, porque o Espírito, dado ao povo de Deus, guia-os em toda verdade. Igualmente assim para o ministro da Palavra: em humilde espera por Deus, unida a um diligente esforço para ser um obreiro que não tenha de que se envergonhar, irá no devido tempo expor esta verdade para a glória de Deus e a benção de seus ouvintes.
Esta é uma doutrina importante, como é evidente a partir de várias considerações. Talvez possamos expressar mais impressionamente a monumentabilidade desta verdade mostrando que aparte da eleição eterna não teria existido nenhum Jesus Cristo e, portanto, nenhum divino evangelho; porque se Deus nunca tivesse escolhido um povo para salvação, Ele nunca teria enviado Seu Filho; e Se Ele não tivesse enviado nenhum Salvador, ninguém teria sido salvo. Portanto, o próprio evangelho se originou nesta questão vital da eleição. “Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação” (2 Tessalonicenses 2:13). E por que “devemos sempre dar graças”? Porque eleição é a origem de todas as bênçãos, a fonte de cada misericórdia que a alma recebe. Se a eleição for tirada, tudo será tirado, porque aqueles que têm qualquer benção espiritual são aqueles que têm todas as bênçãos espirituais: “ O qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo” (Efésios 1:3,4).
Como Calvino corretamente disse: “Nós nunca estaremos tão claramente convencidos como deveríamos, de que a nossa salvação provém da fonte da gratuita misericórdia de Deus, até que estejamos familiarizados com esta eleição eterna, que ilustra a graça de Deus por esta comparação, que Ele não adota todos indiscriminadamente para a esperança de salvação, mas a alguns dá o que recusa a outros. Ignorância deste princípio evidentemente desvia da glória divina, e diminui a real humildade. Se então, necessitamos ser recordados da origem da eleição para provar que obtemos a salvação de nenhuma outra origem do que a mera boa vontade de Deus então, aqueles que desejam extinguir este princípio, fazem tudo que eles podem para obscurecer o que eles deveriam magnificar e em alta voz celebrar”.
Esta é uma bendita doutrina, porque a eleição é a fonte de todas as bênçãos. Isto é feito inequivocadamente claro através de Efésios 1:3,4. Primeiro, o Espírito Santo declara que os santos tem sido abençoados com todas as bençãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo. Então, Ele prossegue a nos mostrar o porquê e como eles foram tão abençoados: é porque Deus nos elegeu em Cristo antes da fundação do mundo. A eleição em Cristo, portanto, precede ser abençoado com todas as bençãos espirituais, porque nós somos abençoados com elas somente estando nEle, e somente estamos nEle sendo escolhidos nEle. Vemos então quão grande e gloriosa esta doutrina é, porque todas nossas esperanças e prospectos pertencem a ela. Eleição, apesar de distinta e pessoal, não é, como algumas vezes descuidadamente declarado, uma mera escolha abstrata de pessoas para a salvação eterna, independente da união com o seu Representante do Concerto; mas uma escolha deles em Cristo. Ela, portanto, implica todas as outras bençãos, e todas as outras bençãos são dadas somente através dela e de acordo com ela.
Corretamente entendida não há nada semelhante para transmitir conforto e coragem, força e segurança, como uma apreensão do coração desta verdade. Ser assegurado de que sou um dos altamente favorecidos do Céu transmite a confidência de que Deus mui certamente irá suprir cada uma das minhas necessidades e fazer todas as coisas cooperarem juntamente para o meu bem. O conhecimento de que Deus me predestinou para a glória eterna fornece uma absoluta garantia de que nenhum esforço de Satanás poderá trazer sobre mim destruição, porque se o grande Deus é por mim, quem será contra mim? Isto traz paz para o pregador, porque ele agora descobre que Deus não o enviou para puxar o arco arriscadamente, mas que Sua Palavra realizará o que Lhe apraz, e prosperará naquilo para que Ele a enviou (Isaías 55:11). E que encorajamento isto dá ao pecador despertado. A medida que ele aprende que a eleição é somente uma questão da divina graça, a esperança é incendiada em seu coração; a medida que ele descobre que a eleição escolhe alguns dos maiores dos pecadores para serem monumentos da divina misericórdia, porque deveria ele se desesperar?
Esta é uma doutrina detestada. Alguém naturalmente pensaria que uma verdade que honra tanto a Deus, que exalta tanto a Cristo, e tão abençoada, tenha sido cordialmente sustentada por todos cristãos professantes que tenham tido ela claramente apresentada diante deles. Devido aos termos “predestinados”, “eleitos”, e “escolhidos”, ocorrem tão freqüentemente na Palavra, alguém certamente concluirá que todos que reivindicam aceitar as Escrituras como divinamente inspiradas receberiam com implícita fé esta grande verdade, referindo ao ato por si mesmo - como tornando pecadores e ignorantes as criaturas que assim façam - diante da soberana boa vontade de Deus. Mas tal está longe, muito longe de ser a situação real. Nenhuma doutrina é tão detestada pelo orgulhoso homem natural como esta, que faz da criatura nada e do Criador tudo; sim, em nenhum outro ponto a inimizade da mente carnal é tão patente e vigorosamente evidente.
Nós começamos nossas palestras na Austrália dizendo: “Eu vou falar esta noite sobre uma das doutrinas mais odiadas da Bíblia, a saber, a da soberana eleição de Deus”. Desde então temos rodeado este globo, e chegado à um contato próximo com milhares de pessoas pertencentes a muitas denominações, e milhares destes cristãos professos não aceitaram esta declaração; e hoje a única mudança que fazemos naquela declaração é que enquanto a verdade do castigo eterno é uma das mais desagradáveis aos não professos, a da soberana eleição de Deus é a verdade mais odiada e insultada pela maioria daqueles que reivindicam ser crentes. Anuncie claramente que a salvação não é originada na vontade do homem, mas na vontade de Deus (veja João 1:13; Romanos 9:16), que não há ninguém que queira ou possa ser salvo - porque como resultado da queda do homem, todo desejo e vontade para o que é bom foi perdido (João 5:40; Romanos 3:11) - e que até mesmo os eleitos precisam serem feitos dispostos (Salmos 110:3), e estrondosos gritos de indignação se levantarão contra tal ensino.
Neste ponto a questão é tensa. Comerciantes de méritos não permitirão a supremacia da divina vontade e a impotência para o bem da vontade humana, conseqüentemente eles são aqueles mais amargos em denunciar a eleição pelo soberano prazer de Deus, são os mais entusiasmados em gritar pelo livre-arbítrio do homem caído. Nos decretos do concílio de Trento - no qual o Papado definitivamente determinou sua posição sobre os pontos levantados pelos Reformados, e que Roma nunca rescindiu - aparece o seguinte: “Se qualquer um afirmar que desde a queda de Adão, a vontade do homem foi eliminada, que seja amaldiçoado”. Foi devido a sua fiel aderência à verdade da eleição, com tudo o que ela envolve, que Bradford e centenas de outros foram queimados pelos agentes do Papa. Indizivelmente triste é ver tantos Protestantes professos concordarem com a mãe das meretrizes neste erro fundamental.
Mas seja qual for a aversão que os homens possam agora ter à esta bendita doutrina, eles serão compelidos a ouvi-la no último dia, ouvi-la como a voz da final, inalterável e eterna decisão. Quando a morte e o inferno, o mar e a terra, derem os mortos, então o Livro da Vida - o registro no qual foram gravados antes da fundação do mundo toda a eleição da graça - será aberto na presença de anjos e demônios, na presença de salvos e perdidos, e esta voz soará às alturas do Céu, às profundezas do inferno e aos extremos finais do universo - “E todo aquele que não foi achado inscrito no livro da vida, foi lançado no lago de fogo” (Apocalipse 20:15). Assim, esta verdade que é odiada pelos não eleitos acima de todos os outros, é uma que soará nos ouvidos dos perdidos a medida que eles entrarem na sua eterna perdição! Ah, meu leitor, a razão pela qual o povo não recebe e devidamente prezam pela verdade da eleição, é porque eles não sentem a devida necessidade dela.
Esta é uma doutrina que separa. A pregação da soberania de Deus, como exercitada por Ele na pré-ordenação do destino eterno de cada uma de Suas criaturas, serve como um instrumento eficaz para dividir o joio do trigo. “Quem é de Deus ouve a palavra de Deus” (João 8:47): sim, não importa quão contrárias elas possam ser às suas idéias. É uma das marcas do regenerado que eles declaram que Deus é verdadeiro. Nem são exigentes na sua escolha, como são os religiosos hipócritas: uma vez que percebem que a verdade é claramente ensinada na Palavra, mesmo que esta seja absolutamente oposta à sua própria razão e inclinações, eles humildemente saúdam-na e implicitamente a recebem, e assim faria apesar de nenhuma outra pessoa no mundo crer nela. Mas isto é totalmente diferente com os não regenerados. Como o apóstolo declara: “Do mundo são, por isso falam do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro” (1 João 4:5,6).
Não conhecemos nada tão divisor entre a ovelha e os bodes do que uma exposição fiel desta doutrina. Se um servo de Deus aceita alguma nova carga, e ele deseja que seu povo deseje o puro leite da Palavra, e que prefira os substitutos do Diabo, deixe-o entregar uma série de sermões sobre este assunto, e será rapidamente os meios de “apartares o precioso do vil” (Jeremias 15:19).
Foi assim na experiência do Divino Pregador: quando Cristo anunciou que “ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido”, somos informados que, “desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele” (João 6:65,66)! Verdade é que de forma alguma todos que intelectualmente recebem o “Calvinismo” como uma filosofia ou teologia, dão evidência (em suas vidas diárias) de regeneração; todavia, é igualmente verdade que aqueles que continuam a criticar contra e firmemente refutar alguma parte da verdade, não merecem serem chamados de cristãos.
Esta é uma doutrina negligenciada. Apesar de ocupar um lugar tão proeminente na Palavra de Deus, ela é pregada mui pouco hoje, e ainda menos entendida. Certamente, não é esperado que os “altos críticos” e seus incautos cegos preguem o que faz do homem nada; mas até entre aqueles que desejam serem vistos como “ortodoxos” e “evangélicos”, quase não há alguém que dê à esta grande verdade um real lugar, seja nas ministrações do seu púlpito ou nos seus escritos. Em alguns casos isto é devido à ignorância: não tendo sido ensinado no seminário, e certamente nem nos “Institutos Bíblicos”, eles nunca perceberão sua grande importância e valor. Mas, em muitos casos é o desejo de ser popular para com seus ouvintes que amordaça suas bocas. Todavia, nem ignorância, preconceito, nem inimizade podem abolir a doutrina em si mesma ou diminuir suas importâncias vitais.
Ao terminar estas considerações introdutórias, permita-me assinalar que esta bendita doutrina deve ser manuseada reverentemente. Este não é um assunto para ser justificado ou especulado, mas aproximado em um espírito de santo temor e devoção. Ele deve ser manuseado sobriamente: “Quando estiver em discussão, engajado em uma justa disputa para vindicar a verdade de Deus das heresias e distorções, investigue o teu coração, coloque um vigia nos seus lábios, acautele-se do fogo selvagem em teu zelo” (E. Reynolds, 1648). Todavia, esta verdade é para ser tratada com firmeza, e clareza, independente do temor ou favor de homem, confiantemente deixando todos “resultados” na mão de Deus. Possa nos ser graciosamente concedido escrever de uma maneira que agrade a Deus, e a você o receber o que quer que seja dEle.
CAPÍTULO 2: SUA FONTE
Acuradamente falando, eleição é um ramo da predestinação, o último sendo um termo mais abrangente do que o primeiro. Predestinação se relaciona com todas as criaturas, coisas e eventos; mas eleição é restrita aos seres racionais - anjos e humanos. Como a palavra predestinar significa, Deus desde toda a eternidade soberanamente ordenou e imutavelmente determinou a história e destino de cada uma e todas Suas criaturas. Porém, neste estudo nos confinaremos à predestinação como esta se relaciona ou concerne às criaturas racionais. E aqui também mais uma distinção deve ser observada. Não pode haver uma eleição sem uma rejeição, um tomar sem um passar por, uma escolha sem uma recusa. Como o Salmos 78 expressa-o: “Ele recusou o tabernáculo de José, e não elegeu a tribo de Efraim. Antes elegeu a tribo de Judá” (versos 67,68). Dessa forma, a predestinação inclui tanto a reprovação (a preterição ou o passar pelos não-eleitos, e então a pré-ordenação deles para a condenação - Judas 4 - por causa dos seus pecados) como a eleição para a vida eterna; sobre o primeiro não discutiremos agora.
A doutrina da eleição significa, então, que Deus selecionou alguns em Sua mente tanto dentre os anjos (1 Timóteo 6:21) como dentre os homens, e ordenou-lhes para a bem-aventurança e para a vida eterna; que antes dEle lhes criar, Ele decidiu o destino delas, como um construtor desenha seus planos e determina cada parte da construção antes de qualquer um dos materiais serem reunidos para levarem a cabo a execução de seu desígnio. Eleição pode ser definida dessa forma: ela é aquela parte do conselho de Deus através do qual Ele desde toda a eternidade Se propôs a revelar Sua graça sobre algumas de Suas criaturas. Esta foi feita eficaz por um decreto definido concernente a ela. Ora, em cada decreto de Deus três coisas devem ser consideradas: o princípio, o assunto ou conteúdo, o fim ou desígnio. Ofereçamos pois unas poucas considerações sobre cada uma delas.
O princípio do decreto é a vontade de Deus. Ele origina-se somente em Sua própria soberana determinação. Determinando o estado de Suas criaturas, a própria vontade de Deus é a única e absoluta causa do Seu decreto. Assim como não há nada acima de Deus para governá-LO, assim não há nada fora dEle próprio que possa ser em qualquer sentido uma causa impulsiva para Ele; dizer de outra forma é fazer da vontade de Deus uma vontade inexistente. Nisto Ele é infinitamente exaltado acima de nós, porque não somente somos sujeitos Àquele que é sobre nós, mas nossas vontades estão sendo constantemente movidas e dispostas por causas externas. A vontade de Deus não tem nenhuma causa fora de Si mesmo, ou de outra forma deveria haver algo anterior a Si mesmo (porque a causa sempre precede o efeito) e algo mais excelente (porque a causa é sempre superior ao efeito), e portanto Deus não seria o Ser independente que Ele é.
O assunto ou conteúdo de um divino decreto é o propósito de Deus para manifestar um ou mais de Seus atributos e perfeições. Isto é verdade de todos os divinos decretos, mas assim como há variedade nos atributos de Deus assim também há nas coisas que Ele decretou trazer à existência. Os dois principais atributos que Ele exerce sobre as criaturas racionais são Sua graça e Sua justiça. No caso do eleito, Deus determinou demonstrar as riquezas de Sua maravilhosa graça, mas no caso do não-eleito Ele achou certo demonstrar Sua justiça e severidade - retendo Sua graça deles porque foi do beneplácito de Sua vontade assim fazer. Todavia, não deve ser permitido por um momento que este último seja um sinal de crueldade em Deus, porque Sua natureza não é somente graça, nem somente justiça, mas ambas juntas, e portanto ao determinar exibir ambas delas não pode ser um sinal de injustiça.
O fim ou desígnio de cada divino atributo é a própria glória de Deus, porque nada menos do que isso pode ser digno dEle. Assim como Deus jura por Si mesmo porque Ele não pode jurar por nada maior, assim porque um grande e majestoso fim não pôde ser proposto do que Sua própria glória, Deus determinou o supremo fim de todos Seus decretos e obras - “O Senhor fez tudo para Si mesmo” (Provérbios 16:4 - versão do autor) - para Sua própria glória. Assim, como todas coisas são dEle como causa primária portanto, todas coisas são para Ele (Romanos 11:36) como fim supremo. O bem de Suas criaturas é apenas o fim secundário; Sua própria glória é o fim supremo, e tudo além é subordinado a isto. No caso do eleito é a graça de Deus que será magnificada; no caso do réprobo Sua pura justiça será glorificada. O que se seguirá neste capítulo será largamente uma ampliação destes três pontos.
A origem da eleição, então, é a vontade de Deus. Quase não é necessário assinalar que por “Deus” queremos dizer, Pai, Filho, e Espírito Santo. Embora haja três pessoas na Divindade, há apenas uma natureza indivisível e comum à todos Eles, e portanto apenas uma vontade. Eles são um, e Eles estão em um acordo: “Mas se Ele resolveu alguma coisa, quem então o desviará?” (Jó 23:13). Permita-nos assinalar que a vontade de Deus não é uma coisa aparte de Deus, nem é para ser considerada como sendo uma parte de Deus: a vontade de Deus é o próprio Deus querendo: ela é, se podemos assim falar, Sua própria natureza em atividade, porque Sua vontade é Sua própria essência. Nem é a vontade de Deus sujeita a qualquer vacilação ou mudança: quando afirmamos que a vontade de Deus é imutável, estamos somente dizendo que o próprio Deus é “sem mudança ou sombra de variação” (Tiago 1:17). Portanto, a vontade de Deus é eterna, visto que o próprio Deus não tem princípio, e visto que Sua vontade é Sua própria natureza, então Sua natureza deve ser desde a eternidade.
Para prosseguir um passo mais adiante. A vontade de Deus é absolutamente livre, não influenciada e não controlada por nada fora dela mesma. Isto se demonstra desde a criação do mundo - bem como de tudo nele. O mundo não é eterno, mas foi feito por Deus, todavia se deveria ou não ser criado, foi determinado por Ele somente. O tempo quando ele foi feito - se mais cedo ou mais tarde; o tamanho dele - se pequeno ou grande; a duração dele - se para uma estação ou para sempre; a condição dele - se deveria permanecer “muito bom” ou ser poluído pelo pecado; foi tudo resolvido pelo soberano decreto do Altíssimo. Tivesse Ele se agradado, Deus poderia ter trazido este mundo a existência há milhões de anos antes. Tivesse Ele se agradado, Ele poderia ter feito isto e todas as coisas num momento de tempo, em vez de seis dias e seis noites. Tivesse Ele se agradado, Ele poderia ter limitado a família humana a unas poucas centenas ou milhares, ou tê-la feita milhares de vezes maior do que ela é. Nenhuma razão pode ser designada porque Deus criou o mundo, quando e como do que Sua própria vontade imperativa.
A vontade de Deus foi absolutamente livre em relação à eleição. Ao escolher um povo para a vida eterna, não havia nada fora dEle mesmo que moveu Deus para formar tal propósito. Como Ele expressamente declara: “Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia” (Romanos 9:15) - linguagem que não pode declarar mais definitivamente a absoluta soberania divina neste assunto. “Tendo nos predestinado para a adoção de filhos por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1:5): aqui tudo novamente é resolvido no mero prazer de Deus. Ele concede Seus favores ou retém-os como Lhe agradar. Nem Ele precisa de qualquer vindicação nossa de Seu procedimento. O Altíssimo não é para ser trazido para o tribunal da razão humana: em vez de procurar justificar a alta soberania de Deus, nos é requerido somente crer nela, na autoridade de Sua própria Palavra. “Naquele tempo falou Jesus, dizendo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mateus 11:25,26) - o Senhor Jesus estava contente em descansar na soberania de Deus, e assim devemos estar.
Alguns dos mais hábeis expositores desta profunda verdade têm afirmado que o amor de Deus é a causa movedora de nossa eleição, citando: “Em amor nos predestinou” (Efésios 1:5); todavia ao fazer assim, pensamos que seremos acusados de uma leve imperfeição ou desvio da nossa regra de fé. Embora completamente concordando que as duas últimas palavras de Efésios 1:4 (como estão na Versão Autorizada) pertence propriamente ao início do versículo 5, todavia deve ser cuidadosamente notado que o verso 5 não está falando de nossa eleição original, mas de nosso ser predestinados para a adoção de filhos: as duas coisas são totalmente distintas, atos separados da parte de Deus, o segundo seguindo o primeiro. Há uma ordem nos divinos conselhos, como há nas obras da criação de Deus, e é tão importante prestar atenção no que é dito sobre o primeiro como se preocupar com o divino procedimento nos seis dias de trabalho de Gênesis 1.
Um objeto deve existir ou subsistir antes dele poder ser amado. A eleição foi o primeiro ato na mente de Deus, segundo o qual Ele escolheu as pessoas dos eleitos para serem santos e irrepreensíveis (v. 4). A predestinação foi o segundo ato de Deus, segundo o qual Ele ratificou pelo decreto o estado daqueles a quem Sua eleição foi dada uma real permanência diante dEle. Tendo escolhido-os em Seu amado Filho para a perfeição da santidade e justiça, o amor de Deus foi adiante deles, e concedeu-lhes a mais alta e preciosa benção que Seu amor jamais poderia oferecer: fazer deles Seus filhos pela adoção. Deus é amor, e todo Seu amor é exercido sobre Cristo e sobre aqueles que estão nEle. Tendo feito dos eleitos Sua propriedade pela soberana escolha de Sua vontade, o coração de Deus foi então colocado sobre eles como sendo Seu tesouro especial.
Outros têm atribuído nossa eleição à graça de Deus, citando “Há um remanescente segundo a eleição da graça” (Romanos 11:5). Mas aqui novamente devemos distinguir entre coisas que diferem, a saber, entre o início de um divino decreto e seu assunto ou conteúdo. É verdade, uma bendita verdade, que os eleitos são os objetos sobre os quais a graça de Deus é especialmente exercida, mas é outra coisa totalmente diferente dizer que sua eleição se originou na graça de Deus. A ordem sobre a qual estamos insistindo é claramente expressa em Efésios 1. Primeiro, “ Ele [Deus] nos elegeu nele [Cristo] antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis [justos] diante dele” (v. 4): que foi o ato inicial na divina mente. Segundo, “em amor, tendo nos predestinado para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo” e isto “segundo o beneplácito de sua vontade” (v. 5) : que foi o enriquecimento daqueles sobre quem Ele havia colocado Seu coração. Terceiro, “para o louvor da glória da sua graça, pela qual nos fez aceitos no Amado” (v. 6): que tanto o assunto como o propósito do decreto de Deus - a manifestação e magnificação de Sua graça.
“A eleição da graça” (Romanos 11:5), então, não é para ser entendida como o genitivo de origem, mas de objeto ou caráter, como em “a Rosa de Sarom”, “a árvore da vida”, “os filhos da obediência”. A eleição da igreja, bem como de todos Seus atos e obras, devem ser seguidas retroativamente até a incontrolada e incontrolável vontade de Deus. Em nenhuma outra parte nas Escrituras é a ordem dos divinos conselhos tão definitivamente revelada como em Efésios 1, e em nenhuma outra parte a ênfase é colocada tão fortemente sobre a vontade de Deus. Ele nos predestinou para a adoção de filhos “segundo o beneplácito de sua vontade ” (v. 5). Ele nos fez conhecido “o mistério de sua vontade” (não “graça”) e que “segundo o beneplácito de sua vontade , que propusera em si mesmo” (v. 9). E então, como se não estivesse suficientemente explícito, o parágrafo termina com “havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade, com o fim de sermos para o louvor da sua glória” (vv. 11,12).
Permaneçamos por mais um momento em cima dessa extraordinária expressão: “que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade, com o fim de sermos para o louvor da sua glória ” (v. 11). Note bem, não é “o conselho de seu coração”, nem mesmo “o conselho de sua mente”, mas VONTADE: não “a vontade de seu conselho”, mas “ o conselho de sua vontade”. Nisto Deus difere radicalmente de nós. Nossas vontades são influenciadas pelos pensamentos de nossas mentes e movidas pelas afeições de nossos corações; mas não é assim com Deus. “Segundo a sua vontade Ele opera no exército do céu e entre os moradores da terra” (Daniel 4:35). A vontade de Deus é suprema, determinando o exercício de Suas perfeições. Ele é infinito em sabedoria, todavia Sua vontade regula as operações dela. Ele é cheio de misericórdia, mas Sua vontade determina quando e a quem Ele a mostrará. Ele é inflexivelmente justo, todavia Sua vontade decide se ou não a justiça será exercida: observe cuidadosamente, não é “Que não pode de maneira alguma ter por inocente o culpado” mas “Que não quer de maneira alguma ter por inocente o culpado” (Êxodo 34:7). Deus primeiramente quer ou determina que uma coisa aconteça, e então Sua sabedoria planeja a execução dela.
Assinalemos agora tudo o que tem sido refutado. De tudo que tem sido dito acima é claro, em primeiro lugar, que nossas boas obras não foram o que induziu Deus a nos eleger, porque este ato aconteceu na divina mente na eternidade - muito antes de qualquer criatura existir realmente. Veja como este mesmo ponto [a salvação pelas obras] é posto de lado em, “pois não tendo os gêmeos ainda nascido, nem tendo praticado bem ou mal, para que o propósito de Deus segundo a eleição permanecesse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama” (Romanos 9:11). Novamente lemos: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas”. Então, visto que fomos eleitos antes de nossa criação, nossas boas obras não podem ser a causa movedora dela: não, elas são os frutos e efeitos dela.
Segundo, a santidade dos homens, seja em princípio ou prática, ou ambos, não é a causa movedora da eleição, porque como Efésios 1:4 tão claramente declara “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” - não porque éramos santos, mas para que pudéssemos ser. O “para sermos santos” era algo futuro, que seguiria a salvação, e é o meio para um fim mais adiante, a saber, nossa salvação, para a qual alguns homens são escolhidos. “Deus vos escolheu desde o princípio para a santificação do Espírito” (2 Tessalonicenses 2:13). Então, visto que a santificação do povo de Deus era o desígnio de Sua eleição, ela não poderia ser a causa da eleição. “Esta é a vontade de Deus, a saber, a vossa santificação” (1 Tessalonicenses 4:3): não meramente a vontade aprovadora de Deus, como sendo agradável à Sua natureza; não meramente a vontade preceptiva de Deus, como requerida pela Lei; mas Sua vontade decretiva, Seu conselho determinado.
Terceiro, nem é a fé a causa de nossa eleição. Como poderia ser? Durante o seu estado de não-regeneração todos os homens estão em um estado de incredulidade, vivendo neste mundo sem Deus e sem esperança. E quando tivemos fé, ela não de nós mesmos - seja pela nossa bondade, poder ou vontade. Não; ela é um dom de Deus (Efésios 2:9), e uma operação do Espírito (Colossenses 2:12), vinda de Sua graça. “E creram todos quantos haviam sido ordenados para a vida eterna” (Atos 13:48), e não “todos quantos creram, foram ordenados para a vida eterna”. Portanto, visto que a fé flui da divina graça, ela não pode ser a causa de nossa eleição. A razão pela qual outros homens não crêem, é porque eles não são das ovelhas de Cristo (João 10:26); a razão pela qual alguns crêem é porque Deus lhes deu fé, e conseqüentemente ela é chamada “a fé dos eleitos de Deus” (Tito 1:1).
Quarto, não foi a pré-visão de Deus destas coisas no homem que O moveu para escolhe-los. A presciência de Deus do futuro é fundado na determinação de Sua vontade concernente a este mesmo futuro. O divino decreto, a divina presciência e a divina predestinação é a ordem apresentada nas Escrituras. Primeiro, “que são chamados segundo o seu propósito”; segundo, “porque os que dantes conheceu”; terceiro, “também os predestinou” (Romanos 8:28,29). O decreto de Deus como precedente a Sua presciência é também declarado em, “a este, que foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23). Deus pré-conheceu tudo que seria, porque Ele ordenou tudo que deveria ser; portanto, é colocar o carro antes do cavalo quando fazemos da presciência a causa da eleição de Deus.
Para concluir, permita-nos dizer que o fim de Deus em Seu decreto de eleição é a manifestação de Sua própria glória, mas antes de entrar em detalhe sobre este ponto, queremos citar várias passagens que declaram o próprio fato amplamente. “Sabei que o Senhor separou para si aquele que é piedoso” (Salmos 4:3). “Separou ” aqui significa escolher ou arrancar do resto; “aquele que é piedoso” refere-se ao próprio Davi (Salmos 89:19,20); “para si”, e não meramente para o trono ou reino de Israel. “Porque o Senhor escolheu para si a Jacó, e a Israel para seu tesouro peculiar” (Salmos 135:4). “Para dar de beber ao meu povo, ao meu escolhido, esse povo que formei para mim, para que publicasse o meu louvor” (Isaías 43:20,21), que é paralelo à Efésios 1:5,6. Da mesma forma no Novo Testamento: quando agradou a Cristo dar à Ananias uma explicação da conversão de Seu amado Paulo, Ele disse, “este é para mim um vaso escolhido” (Atos 9:15). Novamente, “reservei para mim sete mil varões que não dobraram os joelhos diante de Baal” (Romanos 11:4 ASV), que é explicado no próximo versículo como “um remanescente segundo a eleição da graça”.
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